domingo, 26 de outubro de 2008

ESCOLA E CULTURA DEVEM CAMINHAR JUNTAS

Encontrei um texto muito interessante da professora Vera Maria Ferrão Candau sobre a problematização da questão multicultural no mundo. Ela faz referência também a América Latina e o Brasil.

SOCIEDADE, COTIDIANO ESCOLAR E CULTURA(S): UMA APROXIMAÇÃO*

Vera Maria Ferrão Candau
A questão multicultural nos últimos anos vem adquirindo cada vez maior abrangência, visibilidade e conflitividade, no âmbito internacional e local. Isso preocupa muitas sociedades. O debate é intenso nos Estados Unidos e também na Europa. Não se trata de maximizar a dimensão cultural e desvinculá-la das questões de caráter estrutural e da problemática da desigualdade e da exclusão crescentes no mundo atual, nem de considerá-la um mero subproduto desta realidade. O importante é, tendo presente a configuração político-social e ideológica do momento, não negar a especificidade da problemática cultural, sem considerá-la de modo isolado e autocentrado.
Na América Latina e, particularmente, no Brasil, a questão multicultural apresenta uma configuração própria. Nosso continente é um continente construído com uma base multicultural muito forte, onde as relações interétnicas têm sido uma constante através de toda sua história, uma história dolorosa e trágica principalmente no que diz respeito aos grupos indígenas e afro-descendentes.
A nossa formação histórica está marcada pela eliminação física do "outro" ou por sua escravização, que também é uma forma violenta de negação de sua alteridade. Os processos de negação do "outro" também se dão no plano das representações e no imaginário social. Neste sentido, o debate multicultural na América Latina coloca-nos diante desses sujeitos históricos que foram massacrados, que souberam resistir e continuam hoje afirmando suas identidades fortemente na nossa sociedade, mas numa situação de relações de poder assimétricas, de subordinação e acentuada exclusão.
No plano nacional, convém salientar que, pela primeira vez na nossa história, uma proposta educacional que emana do Ministério de Educação nacional, os Parâmetros Curriculares Nacionais, publicados em 1997 e que suscitaram grandes controvérsias quanto a sua concepção, processo de construção e estruturação interna, incorporou, entre os temas transversais, o da pluralidade cultural. Esta opção não foi pacífica e sim objeto de controvérsias, de toda uma negociação em que a pressão dos movimentos sociais se fez presente, e a reestruturação da equipe responsável, inevitável. O próprio documento assim justifica a introdução da temática da pluralidade cultural no currículo escolar:
É sabido que, apresentando heterogeneidade notável em sua composição populacional, o Brasil desconhece a si mesmo. Na relação do País consigo mesmo, é comum prevalecerem vários estereótipos, tanto regionais quanto em relação a grupos étnicos, sociais e culturais.
Historicamente, registra-se dificuldade para se lidar com a temática do preconceito e da discriminação racial/étnica. O País evitou o tema por muito tempo, sendo marcado por "mitos" que veicularam uma imagem de um Brasil homogêneo, sem diferenças, ou, em outra hipótese, promotor de uma suposta "democracia racial". (Parâmetros Curriculares Nacionais, vol. 10, p. 22)
Por outro lado, somos conscientes de que o atual contexto internacional, marcado por uma globalização excludente, políticas neoliberais e uma emergente doutrina de segurança global, está reforçando fenômenos socioculturais de verdadeiro apartheid, que assumem diferentes formas e manifestações. No entanto, esta não é uma realidade que afeta igualmente a todos os grupos sociais, culturais, nem a todas as pessoas. São os considerados "diferentes", aqueles que por suas características sociais e/ou étnicas, por serem considerados "portadores de necessidades especiais", por não se adequarem a uma sociedade cada vez mais marcada pela competitividade e pela lógica do mercado e do consumo, os "perdedores", os "descartáveis", que vêm a cada dia negado o seu "direito a ter direitos"
CANDAU, V.M.F. Educação escolar e cultura(s). Tecnologia Educacional, Rio de Janeiro: ABT, jul./ago. 1995, vol. 22, nº 125.

Um comentário:

Simone disse...

Olá Flavia! Passei aqui para visitar teu portfólio e encontrei esta postagem referente a interdisciplina Escola, Cultura e Sociedade. O texto da Vera Maria Ferrão Candau é bem interessante, mas ficaria muito mais rico se fizesses uma relação desse material com autores e outros temas que estamos trabalhando na interdisciplina. Não achas? Um abraço, Simone - Tutora sede ECS